sábado, 12 de fevereiro de 2011

CARTA DE UMA PROFESSORA

Abaixo envio uma cópia da carta escrita por uma professora, que trabalha
no Colégio Estadual Mesquita, à revista Veja. Esta carta é uma resposta a
uma reportagem em que a jornalista defende a idéia de que as aulas sejam
cronometradas a fim de medir o tempo que o professor fica em sala de aula
e o tempo em que "efetivamente está dando aula". Peço, por favor, que a
repassem. Vale a pena ler.


RESPOSTA À REVISTA VEJA

Sou professora do Estado do Paraná e fiquei indignada com a reportagem da
jornalista Roberta de Abreu Lima Aula Cronometrada. É com grande pesar
que vejo quão distante estão seus argumentos sobre as causas do mau
desempenho escolar com as VERDADEIRAS razões que geram este panorama
desalentador.

Não há necessidade de cronômetros, nem de especialistas para diagnosticar
as falhas da educação. Há necessidade de todos os que pensam que: os
professores é que são incapazes de atrair a atenção de alunos repletos de
estímulos e inseridos na era digital entrem numa sala de aula e observem
a realidade brasileira.

Que alunos são esses repletos de estímulos que muitas vezes não têm o
que comer em suas casas quanto mais inseridos na era digital? Em que pais
de famílias oriundas da pobreza trabalham tanto que não têm como
acompanhar os filhos em suas atividades escolares, e pior em orientá-los
para a vida? Isso sem falar nas famílias impregnadas pelas drogas e
destruídas pela ignorância e violência, causas essas que infelizmente são
trazidas para dentro da maioria das escolas brasileiras.

Está na hora dos professores se rebelarem contra as acusações que lhes são
impostas. Problemas da sociedade deverão ser resolvidos pela sociedade e
não somente pela escola.

Não gosto de comparar épocas, mas quando penso na minha infância, onde pai
e mãe, tios e avós estavam presentes e onde era inadmissível faltar com o
respeito aos mais velhos, quanto mais aos professores e não cumprir as
obrigações fossem escolares ou simplesmente caseiras, faço comparações com
os alunos de hoje repletos de estímulos. Estímulos de quê?
De passar o
dia na rua, não fazer as tarefas, ficar em frente ao computador, alguns
até altas horas da noite, (quando o têm), brincando no Orkut, ou o que é
ainda pior envolvidos nas drogas. Sem disciplina seguem perdidos na vida.
Realmente, nada está bom. Porque o que essas crianças e jovens procuram é
amor, atenção, orientação e disciplina.

Rememorando, o que tínhamos nós, os mais velhos, há uns anos atrás de
estímulos? Simplesmente: responsabilidade, esperança, alegria.

Esperança que se estudássemos teríamos uma profissão, seríamos realizados
na vida. Hoje os jovens constatam que se venderem drogas vão ganhar mais.

Para quê o estudo? Por que numa época com tantos estímulos não vemos olhos
brilhantes nos jovens? Quem, dos mais velhos, não lembra a emoção de
somente brincar com os amigos, de ir aos piqueniques, subir em árvores?

E, nas aulas, havia respeito, amor pela pátria.. Cantávamos o hino
nacional diariamente, tínhamos aulas chatas só na lousa e sabíamos ler,
escrever e fazer contas com fluência. Se não soubéssemos não iríamos para
a 5ª. Série. Precisávamos passar pelo terrível, mas eficiente, exame de
admissão. E tínhamos motivação para isso.

Hoje, professores incapazes dão aulas na lousa, levam filmes, trabalham
com tecnologia, trazem livros de literatura juvenil para leitura em
sala-de-aula (o que às vezes resulta em uma revolução), levam alunos à
biblioteca e a outros locais educativos (benza,
Deus, só os mais
corajosos!) e, algumas escolas públicas onde a renda dos pais comporta,
até a passeios interessantes, planejados minuciosamente, como ir ao Beto
Carrero.

E, mesmo, assim, a indisciplina está presente, nada está bom. Além disso,
esses mesmos professores incapazes, elaboram atividades escolares como
provas, planejamentos, correções *nos fins-de-semana*, tudo sem
remuneração;

Todos os profissionais têm direito a um intervalo que não é cronometrado
quando estão cansados. Professores têm 10 minutos de intervalo, quando têm
de escolher entre ir ao banheiro ou tomar às pressas o cafezinho. Todos os
profissionais têm direito ao vale alimentação, professor tem que se
sujeitar a um lanchinho, pago do próprio bolso, mesmo que trabalhe 40
h.semanais. E a saúde? *É a única profissão que conheço que embora
apresente atestado médico tem que repor as aulas.* Plano de saúde? Muito
precário. Há de se pensar, então, que são bem remunerados... *Mera
ilusão! Por isso, cada vez vemos menos profissionais nessa área, só
permanecem os que realmente gostam de ensinar, os que estão aposentando-se
e estão perplexos com as mudanças havidas no ensino nos últimos tempos e
os que aguardam uma chance de cair fora.Todos devem ter vocação para
Madre Teresa de Calcutá, porque por mais que esforcem-se em ministrar
boas aulas, ainda ouvem alunos chamá-los de vaca,puta, gordos ,
velhos entre outras coisas*. Como isso é motivante e temos ainda que ter
forças para motivar. Mas, ainda não é tão grave. Temos notícias,
dia-a-dia, até de agressões a professores por alunos. Futuramente, esses
mesmos alunos, talvez agridam seus pais e familiares.

Lembro de um artigo lido, na revista Veja, de Cláudio de Moura Castro, que
dizia que um país sucumbe quando o grau de incivilidade de seus cidadãos
ultrapassa um certo limite. E acho que esse grau já ultrapassou*. Chega de
passar alunos que não merecem. Assim, nunca vão saber porque devem estudar
e comportar-se na sala de aula; se passam sem estudar mesmo, diante de
tantas chances, e com indisciplina*... E isso é um crime! *Vão passando
série após série, e não sabem escrever nem fazer contas simples.
Depois a
sociedade os exclui, porque não passa a mão na cabeça*. Ela é cruel e eles
já são adultos.

Por que os alunos do Japão estudam? Por que há cronômetros? Os professores
são mais capacitados? Talvez, mas o mais importante *É QUE HÁ DISCIPLINA.*
E é isso que precisamos e não de cronômetros. Lembrando: o professor
estadual só percorre sua íngreme carreira mediante cursos, capacitações
que são realizadas, preferencialmente aos sábados. Portanto, a grande
maioria dos professores está constantemente estudando e aprimorando-se.

Em vez de cronômetros, *precisamos de carteiras escolares, livros,
materiais, quadras-esportivas cobertas (um luxo para a grande maioria de
nossas escolas), e de lousas, sim, em melhores condições e em maior
quantidade. Existem muitos colégios nesse Brasil afora que nem cadeiras
possuem para os alunos sentarem. E* é essa a nossa realidade! E,
precisamos, também, *urgentemente* de educação para que tudo que for
fornecido ao aluno não seja destruído por ele mesmo

Em plena era digital, *os professores ainda são obrigados a preencher os
tais livros de chamada, à mão: sem erros, nem borrões (ô, coisa
arcaica!), e ainda assim se ouve falar em cronômetros. Francamente*!!!

Passou da hora de todos abrirem os olhos e fazerem algo para evitar uma
calamidade no país, futuramente. Os professores não são culpados de uma
sociedade incivilizada e de banditismo, e finalmente, se os professores
até agora não responderam a todas as acusações de serem despreparados e
incapazes de prender a atenção do aluno com aulas motivadoras é porque
não tiveram TEMPO. Responder a essa reportagem custou-me metade do meu
domingo, e duas turmas sem as provas corrigidas.

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